sábado, 12 de junho de 2010

O encontro!

Após um dia cheio de problemas, uma rotina tumultuada entre mil e um afazeres, o trabalho como sua fuga, uma passada rápida pelo hospital, uma chuva fina e gélida caia sobre a cidade do sul do país. Pablo ainda acreditava em coisas boas, sua postura religiosa era como agnóstico, e ainda que duvidasse da existência de um Deus, sabia que se ele existisse o mal também deveria existir, afinal como saberíamos o que é a luz, se dela não surgissem as sombras.

Ignorou a necessidade de abrigar-se da chuva e esgueirando-se pelas sombras pegou os rumos da zona sul. O frio era intenso, ainda que não fosse a época mais fria do ano, alguma coisa de estranha aquela noite escondia.

Sentiu que não teria necessidade de pegar um ônibus até em casa, estava ansioso, pensou que caminhar talvez pudesse o ajudar a pensar, como a chuva caía, se tivesse vontade de chorar a água esconderia suas lágrimas, naquele momento, isso trouxe-lhe algum conforto.

Caminhou por aproximadamente vinte minutos, não sentiu vontade de chorar, ainda que muitos pensamentos até fossem propícios para isso. As ruas, apesar de não ser tarde da noite, estavam vazias, algo realmente diferente do normal, para um dia qualquer da semana na capital dos pampas.

Passou em um posto de gasolina, comprou seu maço de cigarros, acendeu o primeiro enquanto passava pela bomba de gasolina, como se debochasse do perigo e da vida, riu dos dizeres em latim da famosa caixa vermelha, “Veni, Vidi, Vici” e seguiu pensando em poucas coisas enquanto aproveitava a fumaça que por conta do frio e da fina chuva, perecia ainda mais quente e aveludada que o normal.

Chegou, seu prédio no meio do caos, lembrava os subúrbios do Brooklyn, tal qual filmes americanos. Depois de caminhar por tantos minutos, achou prudente correr, como se aquilo fosse mudar seu estado, completamente molhado!

Subiu passo por passo os quatro lances de escada, as luzes do prédio, que sempre ascendiam com qualquer movimento, ignoraram sua passagem, subiu no escuro até chegar ao seu apartamento. Ao abrir a porta um susto...

O Apartamento era pequeno, Pablo havia limpado tudo antes de sair para o trabalho, tinha fechado todas as janelas, conferiu que tudo estava no seu devido lugar, mas ao abrir a porta, um cheiro horrível tomou conta de seu nariz, quase vomitando correu até as janelas para finalmente abrir e deixar um pouco do ar entrar pelos cômodos do apartamento. Viu-se varrido pelo vento, e uma pancada tão forte de chuva invadiu a janela, molhando os móveis da sala.

Foi até o quarto buscar uma camiseta qualquer para tentar secar o sofá, e nesse momento “O Encontro” começou!

Mesmo com a casa completamente fechada e totalmente limpa, sobre sua cama havia uma infestação de moscas. Pablo simplesmente não entendeu nada, não compreendeu o por que daquilo, mas eram muitas moscas, talvez mais de cem. Em uma atitude quase que desesperada ele pegou uma de suas roupas e abanou-as, tentando fazer com que aquela pequena nuvem de insetos se dissolvesse.

Em vão foram as tentativas, repetidas, exaustivas, desesperadas!

Foi quando subitamente a luz do apartamento se apagou, restando apenas aquele cheiro putrefato, a escuridão e as moscas!

Sentindo que algo não estava bem e receoso de toda aquela cena até então totalmente insólita, Pablo correu até a mesa da sala, na esperança de que com a luz de seu celular ele pudesse tentar espalhar as moscas que estavam no seu quarto e finalmente secar um pouco a sala e deitar, esperando que dormisse logo e que aquele longo dia chegasse ao fim.

Mas ao virar na direção do quarto, tendo como única iluminação a fraca luz de seu celular, seu pior medo se concretizou. O que antes eram apenas moscas, voando em uma pequena nuvem, tornou-se uma massa única, formada com os mesmos brilhos e coloridos esverdeados das moscas, que antes o perseguiam. E como se não bastasse estar enxergando aquilo que era inexplicável, a massa negra de coloridos brilhos, tais quais as asas das moscas varejeiras, vinha em sua direção, com as sombras como testemunha, percebeu que o cheiro asqueroso aumentava a medida que se aproximava o negro vulto.

Em uma reação óbvia, um grito! Que não passou da expressão de desespero de sua cara, já que nem mesmo um sussurro saíra de suas cordas vocais!

Sentia que “O Encontro” estava prestes a chegar em sua derradeira hora, naquela altura, suas pernas já estavam paralisadas e o fedor que exalava aquela estranha massa ocupava sua cabeça embriagando seus pensamentos, tirando qualquer discernimento que pudesse ter!

E assim, já sem forças e sem condições de raciocinar, a massa pustulenta formada como se de uma farinhas daquelas mais de cem moscas que lá estavam, o envolveu, como se engolisse-o, como se quisesse fazer de Pablo e de si, uma única coisa. O cheiro horrível e as moscas, Pablo sentia que desciam pelas suas narinas e boca, viu-se obrigado a respirar dentro daquela nuvem negra fétida e nessa hora, desesperado e com medo de morrer foi que ouviu:

“- Agora você é nosso! Agora, somos um só! Agora és nosso filho!”

Desmaiou...

Na manhã seguinte, acordou em sua cama, descansado, a casa estava de veras mais organizada que o normal. Da noite passada e do seu encontro não sobrou nada, o cheiro desapareceu por completo, a sala estava seca e nem sinal de algum dos insetos que o assombraram anteriormente.

Levantou-se descansado, revigorado, disposto e com a cabeça a mil, ignorou todos os problemas que o afligiam no dia passado, esqueceu-se por alguns segundos da rotina, do hospital, do dinheiro que não tinha e de qualquer outro problema que pudesse ter.

A noite não passara de um sonho, convenceu-se, mas foi ao olhar no espelho que percebeu que aquele encontro tinha sido real!

Assustador ou magnífico, estupefato estava Pablo diante do espelho, olhando-se, perdido ao admirar seus próprios olhos, tentando buscar explicações lógicas sem que quaisquer respostas viessem à sua cabeça.

Lá estavam, as moscas, a nuvem, aquela escuridão, as trevas e a frase a repetir em seus pensamentos.

“- Agora você é nosso! Agora, somos um só! Agora és nosso filho!”

Tudo ao perceber que o brilho verde das moscas e do estranho visitante, agora brilhavam no fundo de seus olhos! Inegável e incontestável!

Tornaram-se um só!